09 abril 2015

Cemitério e Maio

        De todas as possíveis memórias que poderiam interromper-me a rotina do esquecimento, acabo de me lembrar daquele dia, daquele “sonho”. No cemitério. 
        Tão logo me bateu uma profunda dor. Aquelas dores de quem ama. Uma nostalgia tão grande da vida quanto a que senti no dia em que fomos lá.
        Não escrevo em sua homenagem hoje, neste dia tão especial de maio. Foi antes. Mas vou contar agora. Não sei porquê, mas é necessário.
        Sempre há para todo mundo àqueles dias que ficarão para sempre. E naquela tarde eu soube disso. Em seus olhos eu soube disso. Soube que àquele dia entre os mortos seria um desses para mim.
        De toda expectativa que criei ao pensar. “Agora vai realmente achar que sou louco”. E dizer. “Sempre passei por este cemitério quando criança, e vendo-o agora, anos depois, fiquei com vontade de entrar”. Receber a resposta mais simples e doce do mundo mudou tudo pra mim. “Você quer? Então vamos entrar”.
        Nem os mais bem graduados psicólogos desse mundo, os doutores, pais, amigos, ninguém poderia me entender naquele momento como você. Talvez porque não tenha precisado me entender, e sim entender a si própria. Uma menina que também tinha muito a descobrir. Uma menina aventureira. Pois é isso que você é. Uma viajante entre o limbo do pré-nascimento e o limbo pós morte.
        Eu estava dividido naqueles dias. Estava doente. Marginal. Entrei ali com a minha cura. Procurando apenas um lugar para focalizar minha energia. Enquanto você só me seguia. Ou eu seguia você?
        Bailamos pelas ruazinhas, estátuas e igrejinhas, como se realmente estivéssemos em um filme em preto e branco. Como meu rosto. Vivo e morto. E ali, ao mesmo tempo em que olhava seu sorriso e segurava sua mão, te mostrava no mais mórbido e contraído gesto qual era minha preferência de caixão.
        Me senti em minha infância, me senti mais acordado. Me senti sem obrigação ou compromisso. Me senti conectado ao meu pai. Me senti livre. Completamente livre. Como se pudesse voar. Me senti mais perto de meus ancestrais. Mais perto da vida e da verdade.
        Descobri na verdade que tenho muitos defeitos. E a outra é que isso nunca irá importar.
        A cada passo, risada, ou beijo percebia que estava pronto para morrer ali, com você.
        Mais tarde fiquei pensando se sentiram nossa presença.
        Fiquei pensando se se arrependiam de algo. Ou se nós os fizermos lembrar de algo muito bom que haviam vivido. Será que vivem ainda?
        Sabe, fiquei a pensar.
        Quantas vezes nesses últimos anos da minha vida não fui nada mais que um resmungão. E sem razão.
        Deveria me sentir feliz e agradecido por em algum ponto de minha vida ter encontrado algo pelo qual valeu a pena ter vivido. Algo pelo qual morreria em paz.
        Alguns têm mais tempo. Sei que o nosso foi curto, mas com certeza não foi em vão e muito menos nos deixou para sempre. 
        Se não deu certo nesta vida tentaremos de novo em outra.
        E nunca esquecerei isso.
        Obrigado por aquele dia.      
        - 31/05/2012 -